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ACTA do XLIII CAPÍTULO GERAL
Criado por jvieira em 10/05/2015 12:05:19

ACTA do XLIII CAPÍTULO GERAL - "Nem só de vinho vive o Douro. Roteiro dos poetas durienses."

ACTA de l XLIII Capítulo Giral – “Nin solo de bino bibe l Douro. Roteiro de ls poetas durienses”

ACTA del XLIII Capítulo General – “No sólo de vino vive el Duero. Ruta de los poetas del Duero.”


Aos vinte e seis dias do mês de Outubro do ano da graça de dois mil e catorze, às nove horas e trinta minutos acrescido de uma hora, em Ancede, Baião, reuniu-se no Mosteiro de Santo André, o Capítulo Geral da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos de Trás-os-Montes e Alto Douro, presidido pelo Magnífico Grão-Mestre. Da ordenança da assembleia magna da confraria constavam os seguintes pontos:

  1.  Cerimónias de Entronização e Confirmação;

  2. Votação da Acta do Capítulo de Verão;

  3.  A justa homenagem ao nosso Confrade Tiu Ângelo Arribas;

    Apresentação do livro "Ângelo Arribas – Gaiteiro e Tamborileiro Mirandês" de Mário Correia. Intervenções do autor, Confrade Domingos Amaro, Anita e Dinis Arribas.

  4. Plano de Actividades para 2015

    Quarenta anos de vida literária do Confrade Ernesto Rodrigues

    Próximos Capítulos.

  5.  "Verde de Honra" – oferta da CM de Baião – e visita guiada à Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho, facultada gentilmente pelo Sr. Padre Francisco, pároco de Ancede, Baião e Ribadouro.

A localização do Capítulo teve uma forte ligação ao tema e não apenas porque o almoço seria realizado na localidade onde decorre a ação do romance de Eça de Queirós A cidade e as Serras. Apesar de pouco conhecido para a maioria das pessoas, Baião teve uma importância fulcral na expansão do Vinho do Porto. Como é sabido, o transporte do Vinho do Porto entre o Alto Douro Vinhateiro e as Caves em Vila Nova de Gaia era realizada por embarcações que desciam o revolto Rio Douro, hoje amansado pela construção das Barragens. Baião é o concelho que maior comprimento de margem apresenta nessa Rota. Por isso, desempenhou um papel fundamental na construção dos Barcos Rabelos e eram do concelho uma parte significativa dos marinheiros durienses que tão habilmente conseguiram domesticar este rio outrora selvagem. Com a chegada do caminho-de-ferro nos finais do século XIX, o transporte fluvial pelo Douro entrou em declínio, sendo a dura realidade social dos envolvidos nesta atividade retratada no romance de Alves Redol, Porto Manso, nome da localidade presente num dos mais belos postais da paisagem duriense.

Salvaguardando a inteligente opção pelos caminhos-de-ferro, qualquer rota que o confrade tenha optado veio a revelar-se tortuosa. Na verdade, os caminhos que nos levaram ao Mosteiro de Santo André, cuja fundação é anterior à nacionalidade, foram difíceis de percorrer pelo comum dos mortais. O próprio Baco, habituado a estas andanças sinuosas, não aguentou e lá caiu da caldeirica, prostrado. Valeu-lhe o Mestre dos Ritos e das Cerimónias que abriu o Capítulo com a promessa do seu rápido restabelecimento e a devida recolocação no centro do brasão da nossa confraria. Referiu que, pela primeira vez na história da confraria, não foram apresentadas propostas a Entronizações e Confirmações, apesar do Grão-Conselheiro, como lhe era devido, ter preparado afincadamente toda a cerimónia do juramento. Deste modo, a reunião magna foi de imediato conduzida para o ponto 2 da ordem de trabalhos. Assim, o Grão-Chancelar procedeu à leitura da Ata do Capítulo anterior, tendo sido a mesma aprovada pelos confrades por unanimidade com duas pequenas alterações sugeridas pelo Magnífico Grão-Mestre.

Seguiu-se a homenagem ao Confrade de Mérito, Tiu Ângelo Arribas, também ele ilustre poeta duriense que, como tantos outros, descreveu a alma de um povo, não usando a caneta como veículo de comunicação, mas a sua valiosa gaita. Não usando o verbo mas a melodia. O primeiro confrade a homenagear o gaiteiro foi o confrade Domingos Amaro, na sua qualidade de amigo de longa data. Desde a fundação da Confraria, já lá vão quase vinte anos, que Ângelo Arribas foi proposto para participar directamente nos Capítulos com a sua musicalidade única e autêntica. A língua, a música, os costumes e a qualidade dos produtos característicos do povo mirandês são, porventura, o símbolo máximo da cultura transmontana e, possivelmente, da portuguesa. Pela sua autenticidade, qualidade, especificidade é, obviamente para todos nós confrades, uma grade honra poder ostentar nos ombros a Capa de Honras Mirandesa, símbolo máximo da grandeza deste povo. A dureza das fragas, os horizontes largos para Castela, os abismos que causam nó no estomago, a eternidade das folhas dos carrascos e dos sobreiros, pelos voos altos dos grifos que só têm o céu como limite, esta tamanha beleza da paisagem, mas também dureza da vida, onde verdadeiramente existem os nove meses de inverno e três de inferno, foram as condições que influenciaram a existência de Ângelo Arribas, um homem simples, vertical com tamanha energia, capaz de ultrapassar toda a adversidade. O confrade terminou a sua exposição desejando ao Tiu Ângelo que dius bos cunserbe la gaita, que ls foles nun rompan, para bien de la nuossa cunfrarie.

Seguiu-se a homenagem emotiva do seu neto Dinis Arribas, herdeiro da veia gaiteira e também trovador da nossa confraria. Começou por fazer um repto aos confrades: You gustaba que las saudaçones, mesmo para quien nun fale mirandés, fusse nesta lhéngua. Todos ls partecipantes cuncordárun. Começou por referir a importância do seu avô na sua educação. O seu exemplo, a transmissão de valores do rigor, do profissionalismo, mas também da amizade, das festas, romaria, música, caça e desporto. Como o avô sempre disse, a música vem-lhe igualmente de dentro, corre-lhe no sangue. Terminou o discurso agradecendo o quão tem aprendido com o avô, Ângelo Arribas para o mundo, Tiu Arribas para os conterrâneos, Mestre Arribas para os entendidos, pai para os filhos e avô para ele e para a Anita.

Coube a Mário Correia, autor do livro e editor de discografia etnográfica portuguesa, finalizar a homenagem ao nosso Confrade de Mérito. O Centro de Música Tradicional “Sons da Terra” por si dirigido tem contado sempre com a dedicação do Tiu Ângelo. Foi professor de gaita de foles mirandesa nos primeiros cursos promovidos por esta organização. Por esse facto, o autor vem afirmar a co-autoria do livro com o próprio homenageado, uma vez que nasce de um bloco-notas com a história da sua vida que o Tiu Ângelo lhe oferece e um vasto conjunto de estórias que lhe transmitiu na altura em que desempenhou o papel de informador principal quando o autor escreve a novela histórica Pairavam Abutres nas Arribas cuja acção decorre durante a Guerra Civil Espanhola, na aldeia da Freixiosa, terra natal do Tiu Ângelo. Apesar da infância difícil no planalto mirandês, na vida de campo no cultivo do cereal, pastor pelas arribas, Tiu Ângelo estava sempre disposto a aprender, o que é grande estímulo para os novos tamborileiros e gaiteiros. Referiu ainda que a Alvorada, Música Tradicional das Terras de Miranda, interpretada por Ângelo Arribas, é estudada no curso de Etnomusicologia da Universidade de Valladolid como sendo uma peça de eleição. Toda a assembleia teve a oportunidade de constar tal mestria com a reprodução de um vídeo em que Ângelo Arribas interpretou Alvorada.

Tiu Ângelo Arribas, com a humildade que o caracteriza, agradeceu as palavras elogiosas dos oradores. Agradeceu ainda, a título póstumo, ao Padre Mourinho, que foi seu mentor nas andanças da música tradicional, incentivando-o a tocar a fraita, flauta pastoril de apenas três buracos.

O Diretório de Notáveis propôs um brinde ao Tiu Arribas, tendo toda a assembleia brindado ao homenageado.

O Estimável Grão-Mestre prosseguiu com os trabalhos, sem antes referir a origem na Capa de Honras Mirandesa da nossa indumentária através da estilização proposta pela D. Susana de Castro. Tiu Ângelo foi igualmente apresentado na altura da fundação da confraria, tendo sido igualmente o maior símbolo vivo da nossa confraria pela música que nos guia nos Capítulos e nos anima nos almoços. No seguimento da apresentação do Plano de Actividades para 2015 começou por propor à assembleia a anuência pela sugestão dada pela Alcaideza de Aranda do Douro de realizar o Capítulo de Primavera no dia 28 de Março de 2015 . A Confrada Maria Angeles Izquerdo será a organizadora do Evento. Referiu a realização do Capítulo de Verão com data provável de 6 de Junho a ser organizado pela Confrada Justa Nobre e Confrade Virgílio Gomes, ilustres chefes de cozinha baseada na gastronomia transmontana. O Capítulo de Outono está previsto ser realizado em Bragança a 17 de Outubro, organizado pela Confrada Alexandrina Fernandes e Confrade Vasco Veiga, empresários dedicados à produção e comercialização de produtos transmontanos de excelência, respectivamente administradores da Bísaro, Salsicharia Tradicional e Sortegel. Exortou a assembleia no sentido de algum confrade ou grupo de confrades organizarem os capítulos para 2016. Nessa sequência fez um desafio aos seus conterrâneos de Torre de Moncorvo para a realização do Capítulo de Primavera, durante a amendoeira em flor. Extra capítulos, mencionou ainda a participação da confraria nos 40 anos de vida literária do Confrade Ernesto Rodrigues, a realizar ainda este ano em Bragança. Referiu ainda a realização no dia seguinte, 26 de Outubro de 2015, da II Cimeira de Confrarias Transmontanas que apresentam nos seus estatutos a salvaguarda da gastronomia e vinhos de Trás-os-Montes e Alto Douro.

O Plano de Actividades proposto foi aprovado por unanimidade.

O Capítulo foi encerrado pelo Mestre de Ritos e Cerimónias sem antes anunciar a intenção do Venerável Grão-Mestre de conceder a palavra a qualquer confrade que quisesse intervir a favor da confraria, não havendo manifestação de nenhum confrade nesse sentido.

Seguiu-se a visita à Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho, de linhagem rococó que contém um singular conjunto de obras que representam cenas da vida de Cristo como se tratasse de um teatro em movimento e que merecem por si só uma visita ao mosteiro.

Antes de rumarmos a Santa Cruz do Douro para o almoço ainda fomos presenteados pelo Município de Baião com um verde produzido nas vinhas do mosteiro, acompanhado por biscoito da Teixeira, produzido localmente.

No alinhamento com o tema do capítulo e tendo o repasto ocorrido no Douro Palace Hotel do nosso confrade Joaquim Ribeiro, situado em Tormes, terra do Romance a Cidade e as Serras de Eça de Queirós, a ementa baseou-se nas descrições realizadas pelo escritor. Jacinto vivia em Paris, então o centro urbano em maior evidência no mundo. Apesar deste contexto, vivia mergulhado no tédio, convertendo-se quando regressa às serras durienses e se depara com a incomparável beleza daquela serra bendita. No entanto é na tosca mesa de Tormes que constatamos essa sua transformação: Jacinto consegue saciar a sua fome que permanecera insatisfeita no luxo da sua casa na Avenida dos Campos Elísios na descrição do prazer que sente ao ingerir o arroz de favas e o louro frango no espeto, mais a salada temperada com azeite da serra. E foi deste modo que foi saciada a fome dos confrades, destacando-se, para além do frango alourado com arroz de favas, o bazulaque, comer cisterciense, comer de vindimas, que Aquilino Ribeiro faz referência nas suas obras em que tão genialmente retrata o quotidiano das gentes do Douro Sul. Cavacas de Resende, biscoito da Teixeira e pêras bêbadas em porto branco finalizaram magistralmente o nosso repasto.

Ancede, 25 de Outubro de 2014

O Grão-Chanceler,

José Vieira

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